Incertezas Terapêuticas em Medicina

A pandemia da COVID-19 ilustra bem as incertezas que envolvem o tratamento farmacológico de muitas doenças. A começar com a polêmica da hidroxicloroquina, diversas medicações já conhecidas e outras inovadoras passaram a ser ferrenhamente defendidas por alguns e criticadas por outros de maneira não menos incisiva.

Essas incertezas e divergências terapêuticas, entretanto, são velhas conhecidas da Medicina. Um excelente exemplo é o emprego da cafeína na apneia da prematuridade.

Os bebês prematuros são propensos a apresentarem dificuldades respiratórias e mesmo paradas respiratórias (apneias). No final dos anos 70 surgiram evidências de que o tratamento com cafeína reduzia os episódios de apneia. A cafeína é um analéptico respiratório, ou seja, um estimulante da função respiratória. Alguns pediatras passaram a prescrever cafeína para esses bebês. Outros, entretanto, embora aceitando as evidências iniciais de que o número de episódios de apneia era reduzido pela cafeína, opinavam que essas dificuldades respiratórias provavelmente são seriam tão severas a ponto de justificar o emprego da cafeína; e muitos acreditavam que a cafeína não seria isenta de riscos para a saúde desses prematuros. Isso significava que alguns prematuros recebiam a cafeína e outros não.

Após 30 anos de incertezas, um grande estudo internacional demonstrou que a cafeína não apenas reduzia as dificuldades respiratórias dos prematuros mas também diminuía consideravelmente a incidência de paralisia cerebral e de problemas futuros no desenvolvimento dessas crianças.

Ou seja: se a incerteza sobre o uso da cafeína no tratamento da apneia da prematuridade tivesse sido resolvida décadas antes, muitos casos de incapacidade teriam sido evitados. Atualmente, a cafeína é o agente farmacológico de escolha no tratamento da apneia da prematuridade.

Voltando à polêmica da farmacoterapia da COVID-19, com certeza ainda é muito cedo para que as incertezas sejam sanadas. Infelizmente, o exemplo da cafeína para o tratamento da apneia da prematuridade nos ensina que muitas vezes o curso da investigação científica, com obtenção das evidências definitivas, pode ser bastante demorado…

Fontes:

Moschino, Laura, et al. “Caffeine in preterm infants: where are we in 2020?.” ERJ Open Research 6.1 (2020).

Antes, G., 2013. Wo ist der Beweis? Plädoyer für eine evidenzbasierte Medizin.(deutsche Ausgabe von „Testing Treatments “). Göttingen: Hans Huber.

Written on July 9, 2020