Controles nos Ensaios Clínicos

Um grupo controle estudado simultaneamente é um componente essencial da maioria dos ensaios clínicos adequados. Veremos, entretanto, que em certas situações o grupo controle pode não ser necessário.

A utilidade de um grupo controle foi bem ilustrada numa revisão de estudos sobre fármacos que mostrou que 83% de 52 estudos sem grupo controle indicaram eficácia do fármaco estudado, enquanto apenas 25% de 20 estudos com grupo controle indicaram eficácia [1].

Os controles são necessários porque tanto os benefícios quanto os efeitos colaterais que ocorrem durante um ensaio clínico podem resultar de muitos fatores, sendo que o efeito do tratamento é apenas um deles. Dentre os fatores que podem influenciar os resultados do ensaio clínico, podemos citar:

  • história natural da doença
  • efeitos inespecíficos do tratamento
  • acaso
  • vieses

História natural da doença

Muitas condições são caracterizadas por melhoras e recaídas, e como muitos pacientes tendem a participar de um ensaio clínico quando estão em piores condições, eles provavelmente melhorarão de qualquer modo após entrar no estudo, quer seja a terapia eficaz ou não!

Efeitos inespecíficos do tratamento

A evolução do paciente também pode ser influenciada pela atenção recebida durante o ensaio clínico, bem como pela expectativa do médico e do paciente com relação ao tratamento. Essa melhora não relacionada ao tratamento em si caracteriza o efeito placebo. Entretanto, o efeito placebo também pode ser associado a efeitos colaterais não relacionados ao tratamento em aproximadamente 19% dos pacientes, como documentado numa revisão de 109 ensaios clínicos controlados [2,3].

A existência de um grupo controle estudado simultaneamente é a melhor maneira de se assegurar de que os resultads obtidos são relacionados ao tratamento e não à história natural da doença ou a efeitos placebo. Entretanto, existem ensaios clínicos que podem dispensar, com segurança, a utilização de um grupo controle. Isso ocorre naqueles que estudam tratamentos de doenças que são universal e rapidamente fatais, pois qualquer sobrevivência seria o resultado do tratamento, bem como naqueles que apresentam resultados muito uniformes e bem documentados. Alguns exemplos:

  • uso do desfibrilador para pacientes com fibrilação ventricular (uniformemente fatal sem o tratamento);

  • resposta de cura completa de uma condição dermatológica em todos os pacientes tratados no estudo, com documentação fotográfica.

Escolha do grupo controle adequado

A escolha de um grupo controle apropriado é crítica no desenho de um ensaio clínico. Os controles com placebo são adequados para doenças para as quais não existe um tratamento comprovadamente eficaz. Quando existe um tratamento eficaz, por motivos éticos, grupos tratados com esse medicamento ou tratamento padrão, em doses adequadas, serão os controles mais adequados para os testes de um novo tratamento. Controles tratados com placebo também são inapropriados em casos de doenças fatais, por motivos éticos e lógicos!

Os controles “históricos”

É tentador usar “controles históricos”, especialmente para doenças incomuns, mas nesses casos é extremamente difícil (mas não impossível) fazer comparações sem vieses, já que os controles históricos são insensíveis a diferenças nos critérios de seleção e a alterações nos padrões de cuidados suplementares.

Entretanto, lembremos que avanços importantes na Medicina decorreram de estudos cuidadosos que utilizaram controles históricos. O interferon alfa, por exemplo, foi introduzido e recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da leucemia de células pilosas (hairy cell leukemia) com base em ensaios pequenos que utilizaram controles históricos [3].

Grupos-controles em doenças pouco comuns

A obtenção de controles adequados é difícil em condições clínicas incomuns. Uma abordagem comum é utilizar múltiplos centros para recrutar números adequados de pacientes (estudos multicêntricos). Esse é o caso de estudos de novos fármacos oncológicos, por exemplo, mas podem ocorrer importantes diferenças de implementação dos protocolos ou de seleção de pacientes que podem resultar em resultados significativamente diferentes nos diversos centros. Podemos citar, por exemplo, um estudo multicêntrico de fotoforese para o tratamento de linfoma cutâneo de células T, no qual um centro teve um índice de resposta inexplicavelmente baixo de 29% (2 de 7) em contraste com outros 4 centros que tiveram um índice combinado de resposta de 83% (25 de 30).

Estudos crossover e fracionados (split studies)

Outra abordagem é usar os pacientes como os seus próprios controles, quer em estudos crossover ou em estudos fracionados (split studies). Nestes últimos, metade do corpo é tratada de um modo e a outra metade de outro (controle utilizado em estudos sobre fármacos dermatológicos, por exemplo).

Limitações dos estudos crossover

Num estudo crossover os pacientes servem como os seus próprios controles e são comparados períodos com e sem o tratamento. Dois pré-requisitos devem ser observados nesse tipo de estudo: a ordem de recebimento dos tratamentos teste e placebo pelos pacientes deve ser randomizada; o momento em que os pacientes fazem o crossover de um tratamento para o outro deve ser adequado, pois isso também pode ser uma fonte de viés. Idealmente, o crossover deve ocorrer num tempo pré-determinado (por exemplo, após 10 semanas do primeiro período de tratamento) e tanto o paciente quanto o avaliador devem ser cegados quanto ao momento dessa mudança de tratamento.

Exemplo de estudo crossover com problemas

Suponhamos que pacientes portadores de uma doença de natureza cíclica participem de um estudo crossover e que os pesquisadores decidam pelo seguinte protocolo:

  1. transferir pacientes que estão evoluindo mal no grupo placebo para o grupo de tratamento com o fármaco real (grupo experimental);

  2. aumentar a dose de medicamento dos pacientes no grupo experimental que estiverem evoluindo mal.

Esse tipo de estudo obviamente dará a impressão de que um tratamento é eficaz mesmo que não seja e exagerará o tamanho do efeito de um tratamento eficaz, uma vez que a própria natureza cíclica da doença pode fazer com que após a piora sobrevenha uma melhora espontânea que parecerá ser advinda da mudança de grupo ou do aumento da dose da medicação!

Outras limitações dos estudos crossover

O desenho crossover deve ser limitado a doenças nas quais o tratamento é de ação rápida e em que se espera que a condição do paciente reverta à linha de base após a cessação dos efeitos do tratamento. Se o tratamento apresentar efeitos prolongados, é essencial esperar por um período suficiente de wash-out antes de realizar o crossover. Finalmente, é importante lembrar que a perda de pacientes em estudos crossover pequenos pode levar a grandes alterações na validade e poder estatístico dos resultados!

Limitações dos split studies

Esses estudos, utilizados principamente em tratamentos de dermatologia, devem levar em conta que os fármacos aplicados topicamente podem ser translocados inadvertidamente para outras regiões e que pode ocorrer absorção sistêmica do fármaco, o que poderia propiciar uma ação à distância, por exemplo, de corticosteroides tópicos.

Conclusão

Podemos concluir, portanto, que o uso de grupos-controles é de fundamental importância na maioria dos ensaios clínicos, mas um grande cuidado é necessário na escolha do melhor desenho experimental, levando em conta as vantagens e limitações de cada tipo de controle.

Fontes:

  1. Hines DC, Goldzieher JW. Clinical investigation: a guide to its evaluation. American Journal of Obstetrics and Gynecology. 1969 Oct 1;105(3):450-87.

  2. Turner JA, Deyo RA, Loeser JD, Von Korff M, Fordyce WE. The importance of placebo effects in pain treatment and research. Jama. 1994 May 25;271(20):1609-14.

  3. Bigby M, Gadenne AS. Understanding and evaluating clinical trials. Journal of the American Academy of Dermatology. 1996 Apr 1;34(4):555-90.

Written on August 24, 2022