Além dos ensaios clínicos- problemas com outras fontes de informação terapêutica

Na era da medicina baseada em evidências, não há dúvidas de que as melhores fontes de informação sobre novos fármacos e terapias são as revisões sistemáticas de ensaios clínicos controlados randomizados. Entretanto, na prática a maioria dos médicos ainda utiliza outras fontes, tais como:

  • anúncios em revistas médicas
  • conferências e simpósios médicos patrocinados pelos laboratórios farmacêuticos
  • cursos de educação médica continuada financiados parcial ou totalmente pela indústria farmacêutica
  • consensos de especialistas
  • a própria experiência clínica
  • aprovação pelas agências reguladoras (FDA, ANVISA)

A seguir veremos como todas essas alternativas podem ser insuficientes.

Anúncios em revistas médicas

Apesar de frequentemente utilizados por médicos, o seu valor é limitado, já que frequentemente contêm dados, números, texto e gráficos enganosos.

Wilkes, Doblin e Shapiro (1992) realizaram uma avaliação sistemática de 109 anúncios farmacêuticos publicados em revistas médicas. A maioria deles identificava, inapropriadamente, as drogas anunciadas como “superiores”, ou “de escolha”; apresentavam vieses e muitas citações inadequadas de estudos relevantes. Finalmente, muitas vezes traziam tópicos e gráficos enganosos.

Conferências Médicas

Ziegler, Lew e Singer (1995) avaliaram sistematicamente a exatidão das informações sobre fármacos fornecidas pelos representantes de laboratórios em conferências médicas e verificaram que 11% das afirmações feitas eram inexatas. Simpósios médicos financiados pelos laboratórios são comumente publicados em muitas revistas boas e contêm muita informação sobre um único medicamento.

Segundo Bero, Galbraith e Rennie (1992), esses simpósios são menos frequentemente submetidos a revisão pelos pares, usam nomes comerciais das drogas, têm títulos enganosos e promovem indicações ainda não aprovadas para os novos fármacos.

Cursos de Educação Médica Continuada

Cursos de educação médica continuada são comumente financiados pela indústria farmacêutica e são uma fonte potencial de recomendações terapêuticas. Entretanto, esses cursos podem conter vieses favorecendo as medicações da empresa patrocinadora e podem afetar desfavoravelmente os padrões de prescrição dos médicos.

Consensos de especialistas

Apesar de muto citados e respeitados pelos médicos, os consensos de especialistas podem não fornecer as evidências mais recentes: Antman et al. (1992), citados por Bigby e Gadenne (1996) compararam metanálises de tratamentos para infarto agudo do miocárdio e recomendações em artigos de revisão sobre o tratamento agudo e a prevenção secundária do IAM. Em 5 de 6 ocasiões nas quais os dados publicados revelaram a eficácia de tratamentos para a redução da mortalidade no IAM, houve um atraso de vários anos antes que os especialistas consistentemente recomendassem essas terapias! Ou seja, a dependência estrita em recomendações de consensos de especialistas pode levar ao uso de terapêuticas antigas e à não utilização daquelas mais modernas e comprovadas.

Experiência prévia

Por mais vasta que seja a experiência pessoal de um único médico, ela invariavelmente sofrerá de:

  • memória seletiva: o profissional tende a lembrar dos pacientes que melhoraram, a considerar que os que não retornaram melhoraram e a -convenientemente- esquecer dos que não melhoraram.

  • compulsão de “evitar” o último desastre: suponhamos que um dermatologista tratou uma paciente com minociclina para acne e ela teve séria reação de hipersensibilidade. Após esse episódio, ele passou a evitar prescrever minociclina para acne, apesar de saber que esse tipo de reação não é frequente.

  • falhas de documentação: poucos médicos mantêm registros adequados, facilmente consultados, dos resultados dos tratamentos; poucos tentam rastrear os pacientes perdidos para o follow-up.

  • “n” muito pequeno: um único médico vê muito poucos pacientes comparativamente à experiência mundial da literatura!

Papel e limitações da FDA e outras agências controladoras

O papel da FDA e suas congêneres (inclusive a nossa ANVISA) é de assegurar que os fármacos sejam eficazes para as indicações da bula, tenham benefícios que superem os riscos, sejam de alta qualidade e tragam orientações de uso completas e honestamente comunicadas.

Entretanto, esses órgão apresentam diversas limitações: algumas medicações e procedimentos acabam sendo aprovados com base em um único ensaio clínico multicêntrico controlado e ocorrem pressões da indústria e de alguns governos para facilitar e agilizar o processo de introduzir novas drogas, aparelhos e agentes biológicos. Além disso, após a aprovação muitas drogas passam a ser amplamente utilizadas para outras indicações!

Conclusão

Em última análise, a responsabilidade para determinar as indicações, a segurança e a eficácia dos fármacos que usa é do médico prescritor, e os ensaios clínicos controlados bem desenhados são a melhor forma de determinar os melhores tratamentos.

Referências

  1. Wilkes, Michael S., Bruce H. Doblin, and Martin F. Shapiro. “Pharmaceutical advertisements in leading medical journals: experts’ assessments.” (1992): 912-919.
  2. Ziegler, Michael G., Pauline Lew, and Brian C. Singer. “The accuracy of drug information from pharmaceutical sales representatives.” Jama 273, no. 16 (1995): 1296-1298.
  3. Bero, Lisa A., Alison Galbraith, and Drummond Rennie. “The publication of sponsored symposiums in medical journals.” New England Journal of Medicine 327, no. 16 (1992): 1135-1140.
  4. Bigby, Michael, and Anne-Sophie Gadenne. “Understanding and evaluating clinical trials.” Journal of the American Academy of Dermatology 34, no. 4 (1996): 555-590.
Written on September 4, 2022