Os maus hábitos e a plasticidade cerebral

Norman Doidge, no seu livro The Brain that Changes Itself: Stories of Personal Triumph from the Frontiers of Brain Science propõe a seguinte pergunta: se o nosso cérebro é tão plástico e maleável, porque ficamos com tanta frequência prisioneiros de comportamentos rígidos e repetitivos? Para respondê-la, ele cita uma metáfora utilizada com frequência pelo professor Alvaro Pascual-Leone, da Universidade de Harvard.

Segundo Pascual-Leone, o cérebro plástico é como uma montanha nevada no inverno. Alguns aspectos da montanha, tais como a sua inclinação, as pedras, a consistência da neve, são relativamente fixos e determinantes dos caminhos possíveis para um esquiador que desce ladeira abaixo. Essas características relativamente imutáveis da montanha são como os nossos genes, que determinam certos aspectos particulares da nossa função cerebral. Quando nós esquiamos montanha abaixo, nós podemos controlar os esquis e vamos acabar num ponto ao pé da montanha que é determinado pela forma como controlamos os esquis e também pelas características da montanha. Se você descer de novo, você provavelmente traçará uma rota que não é exatamente igual à primeira, mas será parecida. Se você passar a tarde toda descendo, se levantando e descendo novamente, você acabará com algumas rotas que foram percorridas diversas vezes, e outras que você pouco usou…e existirão algumas rotas que você terá criado, e será muito difícil sair dessas rotas. E essas rotas não são mais geneticamente determinadas.

As “rotas” mentais que nós criamos podem levar a hábitos, sejam eles bons ou ruins. Se nós desenvolvemos uma má postura, será difícil corrigí-la. Se desenvolvemos bons hábitos, eles também se solidificarão. Será possível, uma vez que essas “rotas” estejam estabelecidas nas nossas vias neurais, sair delas e tomar outras? Sim, segundo o prof. Pascual-Leone, mas é difícil porque, uma vez criadas, elas se tornam muito “rápidas” e muito eficientes em conduzir o esquiador montanha abaixo. Pegar uma rota diferente fica cada vez mais difícil. É necessário um bloqueio de rota (roadblock) de algum tipo para que possamos mudar de direção.

O conceito de roadblock tem sido usado terapeuticamente, por exemplo, na terapia de contenção para reabilitação do acidente vascular cerebral: a tendência do paciente hemiplégico é de usar sempre o lado sadio (“rota” mais rápida e eficiente). Para evitar isso, o fisioterapeuta imobiliza o membro sadio, dessa forma forçando o paciente a tomar a “rota” mais penosa e menos eficiente (o membro afetado).

O mesmo princípio pode ser usado em diversas condições neuropsiquiátricas e educacionais (o método Berlitz, de aprendizado de línguas, por exemplo, força o aluno a utilizar o idioma-alvo -“rota” mais difícil- ao bloquear a eficiência da sua língua materna -“rota” mais fácil- num ambiente de imersão total).

Written on June 1, 2018