Aderência dos pacientes e complicações dos ensaios clínicos

Algumas diferenças de desfecho nos ensaios clínicos podem ser causadas por diferenças na aderência dos pacientes aos regimes terapêuticos e não necessariamente por diferenças na eficácia dos tratamentos testados. Várias podem ser as causas da falta de aderência dos pacientes, e ela ocorre mais com tratamentos que são difíceis, desagradáveis ou que tenham efeitos colaterais significativos.

Como avaliar a aderência dos pacientes ao tratamento?

Vários métodos podem ser utilizados para verificar o grau de aderência dos pacientes ao tratamento, incluindo a aplicação de questionários, a contagem ou pesagem da medicação devolvida, ou tratamentos supervisionados.

O que fazer em caso de pacientes não-aderentes?

É importante que os pacientes não-aderentes não sejam excluídos da análise e que sejam mantidos no grupo ao qual eles tenham sido randomicamente alocados. Esse procedimento é essencial para a realização de uma análise intent-to-treat, e assegura que os fatores prognósticos que tenham sido aleatoriamente distribuídos entre os braços do estudo sejam preservados.

Um exemplo de influência do grau de aderência nos desfechos

Um exemplo notável da influência da aderência (ou da falta dela) sobre os desfechos estudados é o estudo do Coronary Drug Project Research Group (1980): homens que sobreviveram a um infarto do miocárdio foram observados prospectivamente quanto à repetição do infarto ou morte. Nesse estudo, 26% de 882 homens que tomaram menos do que 80% da medicação prescrita morreram, em comparação com apenas 16% de 1.813 homens que ingeriram mais do que 80% da medicação (Bigby e Gadenne, 1996). Esse resultado pareceu indicar um efeito notável da medicação redutora do colesterol, até que a quebra do cegamento revelou que nesses casos a medicação responsável era um placebo!

O fato de que pacientes com boa aderência ao tratamento e que seguem as instruções dos pesquisadores podem ter desfechos melhores mesmo que esse tratamento não seja eficaz tem sido comprovado em diversos estudos. A causa mais provável para esse resultado é que os pacientes aderentes têm também várias outras características comportamentais gerais que reduzem o seu risco de desfechos desfavoráveis, e o oposto deve ocorrer com os pacientes não-aderentes.

Exemplo de estudo que ignorou o viés de aderência

O estudo de Stricker et al (1994) sugeriu que a aplicação tópica de dinitroclorobenzeno em pacientes HIV-positivos teria um efeito neuromodulador e reduziria a progressão para AIDS; entretanto, os autores ignoraram o fato de que a maioria dos pacientes com os piores desfechos eram também não-aderentes ao tratamento, o que pode ter introduzido um viés a favor do fármaco testado.

Complicações dos Ensaios Clínicos

O tipo e a frequência dos eventos adversos que ocorrem durante um ensaio clínico devem ser objeto de registro e relatório, assim como as medidas tomadas em resposta a esses eventos:

  • nenhuma;

  • aumento da supervisão;

  • alteração na dose do tratamento;

  • tratamento corretivo;

  • suspensão da droga.

Experiências adversas versus efeitos adversos

São entendidos como experiências adversas aqueles eventos que ocorrem em um ensaio clínico e que podem estar ou não relacionados à droga ou tratamento; já os efeitos adversos são efeitos colaterais do tratamento, e podem ser previstos a partir das propriedades conhecidas da droga utilizada. Existem métodos e algoritmos simples e sofisticados para determinar a força da relação causal entre a exposição ao tratamento e o desenvolvimento de uma experiência adversa.

Na análise de experiências adversas devemos levar em conta:

  • a experiência prévia com a droga;

  • a presença ou ausência de explicações alternativas para as experiências adversas;

  • a relação temporal;

  • as relações dose-resposta;

  • o que ocorre com a suspensão e reintrodução da droga.

Nunca é demais lembrar que ensaios clínicos controlados com pequeno número de pacientes não costumam ser adequados para a determinação da toxicidade a longo prazo de tratamentos recém-introduzidos. Podemos citar, como exemplo, os casos do benoxaprofeno e do zomepiraco sódico, que pareceram drogas seguras e eficazes nos ensaios clínicos, mas que foram retiradas do mercado depois que a distribuição comercial resultou em insuficiência hepática e morte de pacientes idosos que utilizaram o benoxaprofeno, bem como em anafilaxia em pacientes que fizeram uso do zomepiraco. Um estudo clínico controlado randomizado bem desenhado pode indicar com relativa confiança uma relação clínica e estatisticamente significativa entre um tratamento e um determinado evento adverso. Entretanto, outros desenhos de estudo (coorte, caso-controle, série de casos) podem ser necessários para uma avaliação definitiva do potencial danoso de novos tratamentos.

Referências

BIGBY, Michael; GADENNE, Anne-Sophie. Understanding and evaluating clinical trials. Journal of the American Academy of Dermatology, v. 34, n. 4, p. 555-590, 1996. 144-145, 1971.

CORONARY DRUG PROJECT RESEARCH GROUP. Influence of adherence to treatment and response of cholesterol on mortality in the coronary drug project. New England Journal of Medicine, v. 303, n. 18, p. 1038-1041, 1980.

STRICKER, Raphael B. et al. Clinical and immunologic evaluation of HIV-infected patients treated with dinitrochlorobenzene. Journal of the American Academy of Dermatology, v. 31, n. 3, p. 462-466, 1994.

Written on October 13, 2022