Lidando com as Perdas de Participantes e Relatando o Ensaio Clínico

Os pesquisadores devem relatar, sempre, os desfechos de todos os pacientes que entraram no ensaio clínico, quando estes desfechos forem conhecidos. Quando se perde o seguimento dos pacientes, essa perda deve ser mencionada e explicada; o seu impacto na análise estatística dos resultados também deve ser determinado e discutido (Bigby e Gadenne, 1996).

Os participantes perdidos devem ser analisados nos seus respectivos grupos e há algumas maneiras possíveis de fazê-lo:

  • podemos considerar que eles tiveram desfechos bons ou ruins e determinar o impacto, nos resultados, da sua inclusão;

  • os pacientes podem ser analisados no grupo ao qual eles foram originalmente designados, a despeito do que aconteça a eles;

  • os pacientes podem ser contados como um desfecho que ocorreu quando da sua saída (isto é, “perdido para o acompanhamento” pode ser um desfecho em si mesmo e pode ser analisado para os grupos experimental e controle).

Duas maneiras erradas de se lidar com as perdas de participantes

  1. Ignorar ou eliminar os participantes do estudo e não considerá-los nos resultados finais. O problema aqui é que os participantes que foram perdidos podem ter prognósticos e desfechos significativamente diferentes daqueles dos pacientes que completaram o estudo, e por isso essa forma de lidar com as perdas pode ter um efeito significativo sobre a validade do ensaio clínico. Isso é especialmente impactante quando os números de perdas nos grupos experimental e controle são muito diferentes ou quando os pacientes nesses grupos abandonaram o ensaio clínico por motivos diferentes.

  2. Em alguns estudos, os pacientes que abandonam um dos braços do estudo podem receber o tratamento alternativo e passam a ser contados e analisados no grupo para o qual eles são redistribuídos. Essa prática é totalmente inaceitável.

Relatando os dados

Os autores do artigo que descreve o ensaio clínico devem apresentar os seus resultados com detalhes suficientes para permitir que o leitor faça a sua própria análise dos dados. No mínimo, eles devem apresentar uma medida da tendência central dos dados discretos ou contínuos e da sua dispersão, o que deve ser feito para cada um dos grupos ou braços do estudo.

A média e a mediana são comumente usadas para indicar a tendência central dos dados. A média é a escolha mais apropriada para dados que têm distribuição normal, ao passo que a mediana é uma escolha melhor para dados que são enviesados ou que contêm outliers.

A magnitude da diferença entre a média e a mediana é um indicador grosseiro do grau de enviesamento dos dados: se a diferença é pequena ou inexistente, os dados se aproximam da normalidade (isto é, são simétricos); se a diferença é grande, os dados são enviesados.

O desvio-padrão (DP), a amplitude dos dados, a distância inter-quartílica e os intervalos de confiança a 95% são comumente utilizados para indicar a variabilidade ou a dispersão dos dados:

  • o DP é uma medida importante de dispersão, mas apenas para dados com distribuição normal.

  • A distância interquartílica é o intervalo que contém 50% dos pontos de dados centrais. Ela exclui 25% dos dados de maior valor e 25% dos dados de menor valor. Essa é uma medida razoável de estatística descritiva para dados enviesados e com outliers.

  • O intervalo de confiança fornece um espectro de valores dentro do qual a resposta verdadeira ou da “população” provavelmente se encontra. O intervalo de confiança a 95% tem uma probabilidade de 95% de conter a média verdadeira ou populacional.

  • O erro padrão da média (EPM) é o DP dividido pela raiz quadrada do número de elementos na amostra. Infelizmente, o EPM é comumente mas incorretamente usado para descrever a variabilidade dos dados. Essa escolha é feita por tradição e também porque o EPM é sempre menor do que o DP e o intervalo de confiança a 95% e, portanto, fica mais bonito! A prática comum de relatar a média +/- EPM está firmemente entranhada na literatura médica e científica mas é frequentemente enganadora e inapropriada e deve ser desencorajada.

O EPM só faz sentido para amostras grandes e com distribuição normal, pois nesses casos há uma chance de 95% de que a média verdadeira ou populacional esteja aproximadamente dentro do intervalo determinado pela média amostral menos duas vezes o EPM e a média amostral mais duas vezes o EPM (Altman, 2005; Bigby e Gadenne, 1996). Essa relação não se aplica a amostras pequenas sem distribuição normal ou com outliers.

Para complicar ainda mais a situação, muitas vezes os autores relatam a média +/- algum valor, sem especificar se se trata do DP ou do EPM! (Altman, 2005)

O papel das figuras

As figuras que mostram dados individuais são uma ferramenta excelente para apresentar pequenos conjuntos de dados e dados enviesados ou com outliers. Infelizmente, esses gráficos são subutilizados na literatura médica e científica.

Gráficos que usam “barras de erros” mostrando um DP ou um EPM ilustram no máximo 68% da amostra ou os intervalos de confiança a 68%, respectivamente, e portanto são enganosos e deveriam ser evitados ou analisados com ceticismo (Bigby e Gadenne, 1996).

Os dados categóricos são preferencialmente apresentados em tabelas nas quais os tratamentos e os desfechos são apresentados em linhas e colunas, por exemplo: “curado” e “não curado”; “sobrevida” ou “morte”; e melhora “discreta”, “moderada” e “acentuada”. As categorias de desfechos devem ser claramente definidas, limitadas em número, clinicamente importantes, e declaradas antes do início do ensaio clínico.

Referências

Altman, Douglas G., and J. Martin Bland. 2005. “Standard Deviations and Standard Errors.” BMJ 331 (7521): 903. https://doi.org/10.1136/bmj.331.7521.903.

Bigby, Michael, and Anne-Sophie Gadenne. 1996. “Understanding and Evaluating Clinical Trials.” Journal of the American Academy of Dermatology 34 (4): 555–90. https://doi.org/10.1016/S0190-9622(96)80053-3.

Written on October 24, 2022